Na sequência do 25 de Novembro, assiste-se à abertura de um novo momento político: o da transição entre o processo revolucionário, que marcara os anos de 1974-1975, e a institucionalização da democracia. Independentemente das interpretações que possam ser apresentadas, a verdade é que o 25 de Novembro veio alterar por completo a correlação de forças tanto a nível civil como militar, proporcionando não só o desmantelamento da esquerda militar como ainda a progressiva supremacia civil.
De facto, é inegável a ‘derrota’ das linhas gonçalvista e copconista, que perdem não só as posições que ainda detinham na estrutura do Estado e nos meios militares como, sobretudo, qualquer possibilidade de fazer vingar os seus projetos políticos. Este fenómeno é particularmente delicado, uma vez que dá lugar a um certo triunfalismo da direita. Conscientes dos perigos que a situação encerra, os sectores moderados conseguem evitar o ‘contragolpe’ que visava a ilegalização do PCP. Esta atitude acabará por lhes trazer alguns dissabores e, principalmente, novas oposições, num momento em que, apesar dos progressos alcançados nessa matéria, a situação político-militar não estava totalmente clarificada.
Das complexas missões de que o Conselho da Revolução vai ser investido nestes meses de Dezembro de 1975 a Julho de 1976, destacam-se, pela sua importância e consequências, o desmantelamento das estruturas revolucionárias e o controlo dos elementos revolucionários; a recomposição das chefias militares; a contenção da extrema-direita; a renegociação da Plataforma de Acordo Constitucional; a criação das condições para a realização das eleições legislativas e presidenciais, etc… Como pano de fundo, a polémica sobre o papel das Forças Armadas na vida nacional.
A proposta de Melo Antunes de um “projeto viável de esquerda”, reafirmando o papel condutor das Forças Armadas e propondo uma conciliação nacional por forma a permitir a intervenção de todos os partidos, conhece ampla contestação, mesmo por parte dos que, como o PS, tinham estado ao lado dos moderados na luta contra o gonçalvismo. A polémica intensifica-se à hora de determinar os termos da revisão da Plataforma de Acordo Constitucional. Crescentemente fortalecidos e cientes da sua legitimidade eleitoral, PS, PPD e CDS questionam abertamente a compatibilidade entre democracia política e poder militar. As negociações são duras, deixando patente não só a resistência de alguns sectores do Conselho da Revolução ao abandono do processo à democracia representativa, com também o crescente poder e capacidade negocial das forças político-partidárias.
No II Pacto MFA – Partidos (26 de Fevereiro de 1976), o Conselho da Revolução continua a figurar entre os órgãos de soberania detendo um conjunto apreciável de competências e poderes: Conselho do Presidente da República, garante do cumprimento da Constituição e de fidelidade ao espírito do 25 de Abril, e como órgão político e legislativo em matéria militar. No entanto, muitas das suas pretensões são recusadas pelos partidos políticos, nomeadamente em termos de poderes constituintes. A correlação de forças invertera-se. A capacidade de intervenção política das Forças Armadas é consideravelmente reduzida sendo a organização do poder político quase exclusivamente atribuída aos partidos.
Estava aberto o caminho para a normalização democrática, consubstanciada na aprovação de uma nova Constituição em 2 de Abril de 1976, na realização de eleições legislativas a 25 de Abril e presidenciais a27 de Junho.
A fase de incerteza quanto à natureza do regime político terminava.
Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola
O 25 de Novembro continua a ser um dos episódios mais polémicos e, em alguns aspetos, nebuloso, do processo revolucionário português. Existe um relativo consenso em torno da ideia de ter sido a ‘saída’ dos paraquedistas a determinar o desencadeamento das movimentações militares. Historiadores e protagonistas parecem também de acordo quanto ao facto do 25 de Novembro não se resumir a uma simples reivindicação, mais ou menos corporativa, dos paraquedistas. São também conhecidas, com algum detalhe, as principais ações levadas a cabo nesse dia. No entanto, a polémica subsiste, nomeadamente no que diz respeito à questão central: houve ou não uma tentativa de golpe de estado, mais ou menos minuciosamente preparada, e quais os seus autores? As opiniões dividem-se também relativamente a uma multiplicidade de questões, de cuja resposta depende, em última análise, a explicação deste episódio.
À medida que o Outono de 1975 avança, mais se acentua a ideia de que se aproxima a hora da decisão. O mês de Outubro é um tempo de golpes anunciados, em que a comunicação social, manejada pelas fações em presença, assume importância crescente, preparando o país para a inevitabilidade de um confronto militar.
Quando novembro chega, a sociedade portuguesa está no limite do seu equilíbrio, aguardando, a todo o momento, um desenlace para as tensões a que está submetida.
A independência de Angola constituiu desde o início do processo político pos-25 de abril um dos assuntos mais complexos e problemáticos, um dos que gerou maiores tensões entre os militares. Angola era a joia da coroa entre as colónias portuguesas, a mais rica, a que concentrava a maior comunidade de colonos brancos, aquela onde a situação militar era a mais favorável às forças portuguesas e onde, pelo contrário, os movimentos independentistas eram mais fracos e se encontravam em pior situação, divididos e dependentes de apoios externos antagónicos: a FNLA dependente dos EUA e da República do Zaire, o MPLA na órbita da URSS e apoiado pela Zâmbia, a UNITA ligada à China e formalmente aliada do governo português de Marcelo Caetano.
O ambiente de tensão que percorria o país desde o verão de 1975 intensifica-se consideravelmente nos primeiros dias de novembro. No dia 2 assinala-se a explosão de engenhos na Madeira, Chaves e Lisboa a que se segue, três dias depois, o rebentamento de petardos em Gaia, Porto, Águeda e no Club Naval dos Açores. A ação desencadeada, a 5 de Novembro, por forças do COPCON, que resultou na prisão de 11 indivíduos suspeitos de pertencerem ao ELP, não faz diminuir a violência que, nesse momento, percorre vários pontos do país. A 6 de Novembro, por exemplo, os confrontos entre agricultores e trabalhadores agrícolas em Santarém saldam-se por dois mortos e vinte e dois feridos. Em Lisboa, o secretário de Estado da Informação, Ferreira da Cunha, é impedido de sair do Palácio Foz por uma manifestação de trabalhadores do Ministério da Comunicação Social.
O 25 de abril provocou reações na sociedade portuguesa e na comunidade internacional que evoluíram à medida que o processo político se desenrolou. Num primeiro momento a reação vem dos que defendiam o Estado Novo, os seus interesses e a particularmente a sua política ultramarina. Esses grupos constituirão formações políticas de fraca implantação e efémera duração e estarão na base da manifestação da maioria silenciosa de 28 de Setembro, tendo o general Spínola como figura de referência.
Em 22 de Outubro de 1975, o presidente da República, general Costa Gomes, iniciou uma visita oficial à Jugoslávia, a convite do general Tito, um dos mais influentes líderes do Movimento dos Países Não Alinhados. Esta visita de Costa Gomes marcou o final de um período de intensa atividade diplomática que começara a 4 de Junho com a visita a França, a primeira de um chefe de Estado português desde há 50 anos.
Inaugurado com o assalto e destruição das dependências das representações diplomáticas de Espanha em Lisboa, Porto e Évora, o turbulento outono de 1975 é marcado por uma sucessão de episódios de crescente tensão que percorrem a sociedade civil mas também, perigosamente, os meios militares. No Porto, os ânimos exaltam-se em torno de duas unidades militares, o Centro de Instrução de Condutores Auto do Porto (CICAP) e do Regimento de Artilharia da Serra do Pilar (RASP), o conhecido “caso CICAP-RASP”, exigindo a intervenção direta do Chefe de Estado-maior do Exército, general Carlos Fabião.
A discussão sobre se o 25 de abril evoluiu de um golpe de estado para uma revolução durante os nove meses do PREC, ou se foi um mero período de agitação para-revolucionária, ou ainda se não passou de um período de transição para um regime democrático que já vinha dos anos do marcelismo não pode iludir o facto de que nesse período a sociedade portuguesa, maioritariamente constituída por um povo pobre, analfabeto e pouco politizado, acordou para os seus direitos e para a exigência de uma sociedade mais justa.
No 25 de Abril, as organizações de extrema-esquerda estavam distribuídas por três grandes grupos.