Em 22 de Outubro de 1975, o presidente da República, general Costa Gomes, iniciou uma visita oficial à Jugoslávia, a convite do general Tito, um dos mais influentes líderes do Movimento dos Países Não Alinhados. Esta visita de Costa Gomes marcou o final de um período de intensa atividade diplomática que começara a 4 de Junho com a visita a França, a primeira de um chefe de Estado português desde há 50 anos.

A visita à então Jugoslávia seria a última visita do presidente da República antes de dois acontecimentos marcantes para o futuro de Portugal: a independência de Angola, a 11 de Novembro, e o 25 de Novembro em Portugal. O primeiro porque, em termos internacionais, marcaria o fim do processo de descolonização dos territórios africanos sob responsabilidade de Portugal; o segundo porque pôs fim ao período de convulsão política e social interna do verão de 1975 e instaurou um novo regime de cariz europeísta e inequivocamente alinhado pelo bloco ocidental, liderado pelos EUA.

Nos meses de Junho a Outubro de 1975, apesar da agitação interna e das várias tomadas de posição das fações do MFA, que representavam também alinhamentos com os grandes blocos políticos que dividiam o mundo, a actividade diplomática de Costa Gomes procurou responder à nova condição de Portugal no mundo, resultante do derrube da ditadura e do fim da sua política colonial. Costa Gomes realizou algumas importantes visitas de Estado, que procuraram situar o novo regime português, resultante do 25 de Abril de 1974 na cena internacional, dentro dos princípios do Programa do MFA para as relações externas, de respeito pela independência e pela igualdade entre Estados, pela não ingerência nos assuntos internos de outros países e da defesa da paz, alargando e diversificando as relações internacionais com base na amizade e na cooperação.

Além da França, Costa Gomes visitou a Roménia e a Polónia, países do Leste e do Pacto de Varsóvia, com diferentes graus de fidelidade à União Soviética, aonde também se deslocou. Participou ainda nas cerimónias de encerramento da Conferência de Helsínquia, em Agosto de 1975.

Em Helsínquia, Costa Gomes apresentou as bases da política externa portuguesa no discurso que proferiu a 1 de Agosto de 1975 e reafirmou a posição de Portugal no mundo: «A nova orientação de Portugal permitiu-nos a integração real dentro do espírito da cooperação. Efectivamente, o lançamento decidido nas tarefas da descolonização, no que representa de cumprimento do direito dos povos à independência, e de democratização, são os nossos pressupostos para uma política de cooperação. Para o efeito destas coordenadas, dissemos e temos seguido claramente uma política externa baseada tanto no respeito dos nossos anteriores compromissos internacionais como na total abertura a todos os povos do Mundo, com absoluto respeito dos princípios da Igualdade de direitos, não interferência nos assuntos internos e no reconhecimento do direito dos povos a disporem de si próprios. Esta a nossa política internacional, esses os princípios que explicamos e exigimos nas relações internacionais.»

No final do chamado Verão Quente, Costa Gomes exonerou Vasco Gonçalves das funções de primeiro-ministro do V Governo Provisório e nomeou o almirante Pinheiro de Azevedo para formar governo, que tomou posse a 19 de Setembro. Este governo obteve o apoio do Partido Socialista e do Partido Popular Democrático e não contava com a presença de elementos considerados próximos do Partido Comunista. Foi já na vigência do VI Governo Provisório que Costa Gomes realizou uma visita à URSS, acompanhado por Jorge Campinos, do Partido Socialista e ministro do Comércio Externo.

Na agenda da visita, que começou a 1 de Outubro de 1975, constavam reuniões com o presidente do Presidium do Soviete Supremo da União Soviética, Nicolaj Podgorny, e com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrei Gromyko. O objetivo da visita era estreitar os laços de amizade e cooperação e analisar os resultados da última Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, que decorrera em Helsínquia, em Agosto. Não estava previsto qualquer encontro com o líder soviético, Leonidas Brejnev, mas este promoveu-o e, na conversa, Brejnev afirmou a Costa Gomes que a URSS não tencionava intrometer-se na questão portuguesa e não arriscaria um conflito com a NATO, nem os resultados do compromisso para o desanuviamento Leste-Oeste obtidos em Helsínquia por causa de Portugal.

Depois da intervenção na Conferência de Helsínquia, onde Portugal esteve no centro das atenções, pois os EUA não aceitavam a influência dos comunistas em governos de membros da Aliança Atlântica, e da visita à URSS, Costa Gomes deslocou-se à Itália e ao Vaticano. A Itália por ser um membro importante da NATO, onde o Partido Comunista, mesmo eurocomunista, sempre fora mantido fora do governo, e ao Vaticano para reforçar os laços históricos que Portugal mantinha com a Igreja Católica e pela influência desta, quer no plano interno quer no externo.

Estas visitas decorreram num périplo diplomático que terminou na Jugoslávia de Tito. Tito e os Não-Alinhados haviam desempenhado um papel de relevo no apoio aos movimentos de libertação das colónias de África, e a sua influência facilitaria a fase final da descolonização. Na comitiva de Costa Gomes, seguiu o major Melo Antunes, um dos mais importantes membros do MFA, com papel de relevo na ligação de Portugal com as suas antigas colónias.

Costa Gomes constitui um dos vértices da política externa portuguesa no período pós-25 de Abril, em conjunto com Melo Antunes e Mário Soares, fazendo a síntese entre eles e dando-lhe o peso institucional do Presidente da República e da sua condição de chefe militar reconhecido pelo MFA, o movimento que derrubara a ditadura e instaurara o novo regime.

Mário Soares apresentara no 1º Congresso do Partido Socialista, realizado na Aula Magna da Universidade de Lisboa, de 13 a 15 de Dezembro de 1974 a sua visão da política externa de Portugal, que devia ter em conta os compromissos anteriores e as chamadas «alianças tradicionais» e anunciando que seria um ato de realismo político «não se abstrair das indicações da geografia e da história.» Definia Portugal como «país europeu, situado no Atlântico e com interesses permanentes nessa área» e que tinha deixado «fundas raízes em África». Na 29ª sessão da Assembleia-geral da ONU, em Setembro de 1974, Mário Soares teve oportunidade de aprofundar alguns tópicos orientadores das opções de política externa do regime em formação. Sublinhou a fidelidade à NATO, o reforço da comunidade luso-brasileira, o estreitamento de relações com o Reino Unido, Espanha e EUA, assim como o interesse em praticar uma política realista para com os países do Terceiro Mundo, e ainda a colaboração activa com a própria ONU e demais organismos de cooperação internacional.

Melo Antunes, pelo seu lado, deu um contributo muito importante e necessário na procura de novos azimutes para a política externa portuguesa, durante décadas ancorada na herança colonial. Melo Antunes considerava que a «condição europeia» era o segundo parâmetro fundamental da inserção de Portugal no Mundo, a seguir à NATO, mas com uma nuance significativa relativamente a Soares: a Europa devia ser forte e unida, como contrapeso necessário aos dois grandes blocos da época. Melo Antunes, ao contrário de Mário Soares, não acreditava nas vantagens da adesão à CEE, nas condições objectivas da economia e da sociedade portuguesa da altura. Temia o impacto com um espaço económico a anos-luz do atraso português, ou, nas palavras do próprio Melo Antunes «a fraqueza do desenvolvimento do nosso aparelho produtivo». Por isso, com ele como ministro dos Negócios Estrangeiros, Portugal não avançou para encetar negociações de adesão, nem sequer para um estatuto de associação, apesar de tudo bem menos vinculativo.

Melo Antunes defendia uma cuidadosa, relutante e, acima de tudo, gradual aproximação à Europa, que excluía a entrada na CEE a médio prazo. Quanto às relações com o Terceiro Mundo, o terceiro-mundismo de que por vezes foi acusado não pretendia incluir Portugal nesse bloco geopolítico de países, nem de se assumir como intermediário económico entre os centros da economia global e as suas periferias, o terceiro-mundismo de Melo Antunes era o prolongamento natural da preocupação com o processo de descolonização português. Melo Antunes, com a sua experiência militar e com a sua formação intelectual, pretendia tirar partido do capital humano e do legado histórico do passado colonial que o 25 de Abril não podia, nem devia, desprezar ou representar um fim.

Costa Gomes, durante o Verão Quente de 1975, apesar da agitação do PREC, conseguiu manter estes princípios e estabelecer os pilares que ainda hoje sustentam a política externa de Portugal, de relações com o mundo desenvolvido e com o antigo Terceiro Mundo, de aprofundamento de relações com as antigas colónias e o Brasil, mas também com outras regiões e espaços como a Indonésia ou a Índia.

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola

ver mais...