Depois de um ano de incessante procura do rumo a seguir, as clarificações alcançadas na sequência dos golpes frustrados do 28 de Setembro e 11 de Março, que resultaram no afastamento dos sectores direitistas da esfera do poder, revelaram-se insuficientes. No Verão de 1975 a Revolução espartilha-se definitivamente. Os precários equilíbrios alcançados rompem-se e as tensões acumuladas manifestam-se com toda a violência, gerando um clima de pré guerra civil que se arrastará até ao 25 de Novembro. E, enquanto a sociedade civil se agita e mobiliza para as verdadeiras batalhas campais que então se travam, no centro do poder o núcleo duro do Movimento das Forças Armadas divide-se. A manifestação mais óbvia dos problemas que o MFA atravessa é a ‘guerra de documentos’ a que então se assiste.
O anúncio da formação da FLAMA, um movimento separatista na Madeira nos primeiros dias de julho de 1974 e a criação de um governo provisório nos Açores na sequência da demissão forçada do governador do distrito de Ponta Delgada em junho introduziram a questão do estatuto das ilhas atlânticas na nova arquitetura do poder saído do 25 de abril.
Os Açores e a Madeira não tinham estatuto administrativo. No arquipélago dos Açores existiam os distritos autónomos de Ponta Delgada, de Angra do Heroísmo e da Horta e as ilhas do arquipélago da Madeira constituíam o distrito autónomo do Funchal. Uma divisão que vinha desde a reforma liberal de 1836, que substituíra as províncias pelos distritos. O Estado Novo limitou-se a conceder em 1939 o estatuto de autónomos a estes distritos, reconhecendo as competências que gozavam desde 1895.
O programa das campanhas de Dinamização Cultural foi apresentado a 23 de outubro de 1974, na vigência do 3º Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, no Palácio Foz, em Lisboa. Seria coordenado pela Comissão Dinamizadora Central (CODICE), uma estrutura da 5ª Divisão do Estado Maior das Forças Armadas, em colaboração com a Direcção Geral da Cultura e Espectáculos.
Em 25 de Abril de 1974, eram já muitos os que, dentro e fora da Igreja, a acusavam de ter pactuado com a ditadura e de ter actuado como uma força política ao seu serviço. Curiosamente, ao contrário do que, durante décadas, o regime propagandeara, a Igreja católica não só não será vítima de uma perseguição em larga escala, como desempenhará um papel importante na luta política que se travou no verão de 1975.
Mesmo no período mais intenso da luta política e social da revolução que se seguiu ao 25 de abril, os portugueses mantiveram no essencial as suas práticas culturais e de relacionamento com os poderes que ao longo da sua história se foram circunstancialmente sucedendo. Depois do 25 de Abril, em especial no Portugal rural, no interior, as manifestações de cultura popular não sofreram alterações significativas com o processo revolucionário. No verão de 1975, realizaram-se, como se nada tivesse ocorrido, as grandes feiras e romarias que eram tradicionais, algumas com origens antiquíssimas, organizadas por confrarias religiosas, comissões fabriqueiras, com procissões, arraiais, missas solenes, bênçãos. Foi assim com as festas e romarias da Senhora da Agonia de Viana do Castelo, com as do Bom Jesus de Braga, do Senhor dos Remédios de Lamego, da senhora da Nazaré, entre tantas outras, misturando, como há séculos, o sagrado católico e o profano das antigas culturas pagãs. Foram lançados foguetes e tocadas músicas tradicionais com bombos e gaitas de foles. As populações rurais celebraram as colheitas, as vindimas, fizeram as matanças do porco. No verão foram festejados os Santos Populares. No Porto, o São João reuniu nesse ano os seus fiéis na rotunda da Boavista. A XII Feira do Ribatejo foi inaugurada em junho, no local de sempre, em Santarém. A festa associada à cultura do vinho e do cavalo, a Feira de São Martinho na Golegã, teve lugar em novembro, no tradicional São Martinho.
O programa do MFA determinava a “convocação, no prazo de doze meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, directo e secreto, segundo Lei Eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório”. Integrando um conjunto de diplomas como a lei dos partidos políticos, a lei do recenseamento, a lei das capacidades cívicas e a lei que determina a organização do processo eleitoral, a lei eleitoral foi publicada em meados de Novembro de 1974. A 9 de Novembro iniciou-se o recenseamento dos eleitores que passaram do milhão e meio para mais de seis milhões. O processo apenas foi possível graças ao empenho e competência do então ministro da Administração Interna, tenente-coronel Costa Brás, e da equipa que constituiu no Secretariado Técnico dos Assuntos Políticos. Refira-se, aliás, que o STAPE desempenhou um papel crucial em todo o processo, acompanhando o trabalho da comissão de redacção da lei eleitoral e a elaboração dos novos cadernos eleitorais, assegurando a logística do recenseamento e garantindo a transparência e democraticidade das eleições propriamente ditas graças ao seu envolvimento no transporte dos boletins de voto e no apuramento dos resultados eleitorais.
O 25 de Abril foi levado a cabo por um movimento estritamente militar, sem a interferência de partidos ou organizações políticas. No entanto, a necessidade de clarificar o sentido político e os objectivos do Movimento conduziram à preparação de um documento-programa que seria revelado ao país na madrugada de 26 e que acabará por se transformar no texto fundador da nova ordem saída do 25 de Abril de 1974.
Os Meios de Comunicação Social constituíram uma peça importante no plano de operações levado a cabo pelo Movimento dos Capitães na madrugada de 25 de Abril de 1974 que, aliás foi desencadeado através de duas senhas radiofónicas. O sucesso da acção tornou-se evidente quando, na madrugada de 26, através da televisão, os portugueses ficaram a conhecer o rosto dos homens que integravam a Junta de Salvação Nacional e a sua Proclamação política. A imprensa cobriu todos estes acontecimentos entusiasticamente.
Logo após o 25 de abril os sectores mais à direita da sociedade portuguesa, com ligações ao poder político derrubado e aos grupos económicos, organizaram-se em projetos de partidos políticos que tiveram vida efémera. Todos afirmavam defender a democracia e acolheram-se à proteção do general Spínola. Estiveram na organização da manifestação da Maioria Silenciosa, que encobria um golpe palaciano destinado a reforçar os poderes do general e a promover a independência de Angola no quadro que Spínola definira no seu livro “Portugal e o Futuro”, como parte de uma comunidade portuguesa. Após o 28 de Setembro esses grupos dissolveram-se e uma parte dos seus membros deslocou-se para Espanha, instalando aí o seu quartel-general, com o apoio dos setores falangistas do regime de Franco e também dos serviços secretos franceses.
A queda da ditadura, a 25 de Abril de 1974, e a mudança de regime potenciaram uma explosão de lutas sociais e a emergência de poderes populares que se traduziram na constituição de organizações populares de base e noutras formas de democracia participativa.