Os Meios de Comunicação Social constituíram uma peça importante no plano de operações levado a cabo pelo Movimento dos Capitães na madrugada de 25 de Abril de 1974 que, aliás foi desencadeado através de duas senhas radiofónicas. O sucesso da acção tornou-se evidente quando, na madrugada de 26, através da televisão, os portugueses ficaram a conhecer o rosto dos homens que integravam a Junta de Salvação Nacional e a sua Proclamação política. A imprensa cobriu todos estes acontecimentos entusiasticamente.

A importância estratégica e política dos média ficou patente desde os primeiros dias da Revolução, vividos já sob o signo da liberdade e da abolição da censura. A imprensa partidária passou a ser publicada livremente, enquanto o jornal Época, órgão oficioso do regime deposto, e o Novidades, publicação do episcopado, foram suspensos. A renovação do panorama jornalístico traduziu-se também em alterações de direcção. Acusadas de colaboracionismo com o regime deposto, as direcções e administrações de grande parte dos jornais, da Radiotelevisão Portuguesa (RTP), bem como das principais emissoras de rádio foram substituídas. As redacções agitaram-se e mobilizaram-se em redor de novas estruturas organizativas, como as comissões de trabalhadores, que exerceram uma influência determinante sobre quem dirigia os órgãos de comunicação, bem como sobre o que era publicado.

Num país ávido por informação, jornais e jornalistas passaram a activos actores políticos que participam na revolução. Ouvir a rádio, ver a televisão ou ler os jornais implicava, durante os anos da revolução, um esforço crítico quotidiano. A massa informativa era impressionante. Todos emitem opiniões, todos decidem. As fronteiras entre o jornalismo e a política eram praticamente inexistentes. A pressão governamental e partidária reduzia substancialmente a autonomia dos órgãos de informação. Tal como a rádio e a televisão, os jornais viviam intensamente a revolução. O jornalismo tornou-se uma parte activa e empenhada do combate político.

As constantes mudanças no Conselho de Administração da RTP (oito, no espaço de dois anos) são um reflexo das perturbações desse período. Como atores políticos, os meios de comunicação vivem os problemas e tensões verificados noutros sectores da sociedade, sobretudo a partir da Primavera de 1975. Num momento em que, na sequência dos acontecimentos do 11 de Março, a revolução acelera o seu passo, são vários os casos que, tendo a sua origem no sector, rapidamente o transcendem, dando lugar a duros confrontos entre forças político-militares e trabalhadores das empresas jornalísticas: a ocupação da Rádio Renascença, o “Saneamento dos 24” no Diário de Notícias, o “Caso República”, as greve de O Século…

Depois de uma longa contenda quanto à orientação e linha editorial, a 19 de Maio de 1975, a comissão de trabalhadores do República decide afastar o director Raul Rego, acusando-o de ter transformado o jornal no órgão oficioso do Partido Socialista. Nesse mesmo dia, o República chega às bancas sob a chancela de um novo director (Belo Marques). Como reacção, a redacção do jornal lança um comunicado insurgindo-se contra o que classifica de abuso de poder da Comissão dos Trabalhadores. O PS, por seu lado, sai à rua, promovendo uma manifestação em defesa do República e da liberdade de informação, encabeçada por Mário Soares, Salgado Zenha, Manuel Alegre e Sottomayor Cardia. O largo da Misericórdia enche-se de gentes e de protestos: “O República é do Povo, não é de Moscovo”. A tensão aumenta e, ao fim do dia, oficiais do COPCON e da Polícia Militar entram no edifício para proteger os que se encontravam no seu interior. O impasse só é superado já de madrugada, depois da intervenção do Ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, determinando a evacuação dos tipógrafos, a libertação dos jornalistas, a desmobilização da manifestação do PS e a selagem das instalações do República. As negociações tinham fracassado. Iniciava-se assim o “Caso República” que, sendo aparentemente um problema laboral, rapidamente ganha contornos políticos, suscitando uma onda de indignação que transpõem as fronteiras nacionais. A comunidade internacional olha com crescente inquietação para os desenvolvimentos da Revolução portuguesa.

Muito embora os comunistas não estivessem na origem dos acontecimentos, o PS fez do “caso República” uma das campanhas antitotalitárias de maior sucesso no período, associando-a à eminência da tomada do poder pelo PCP e jogando habilmente com a opinião pública nacional e a solidariedade internacional. De facto, segundo o Partido Socialista os problemas do República integravam-se no que consideravam ser um assalto aos órgãos de informação protagonizado pelo PCP. Assumindo-se como líderes de uma luta contra as tentativas hegemónicas do PCP, os socialistas radicalizam as suas críticas e acções (cf. manif PS 22 de Maio). Depois do seu sucesso eleitoral, da mobilização conseguida na sequência dos incidentes do 1.º de Maio e dos apoios que, à sua volta, se reuniram, os socialistas parecem dispostos não só a enfrentar o PCP como também o poder militar. A 10 de Junho o PS demite-se do Governo, dando assim início à ruptura da coligação que sustentava o IV Governo Provisório. O “Caso República” tinha-se transformado na gota de água que desencadeia o processo de resistência e luta do Verão quente de 75, deixando patente a importância da comunicação social na disputa política então em curso e na definição do novo regime político.

 

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola

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