O anúncio da formação da FLAMA, um movimento separatista na Madeira nos primeiros dias de julho de 1974 e a criação de um governo provisório nos Açores na sequência da demissão forçada do governador do distrito de Ponta Delgada em junho introduziram a questão do estatuto das ilhas atlânticas na nova arquitetura do poder saído do 25 de abril.

Os Açores e a Madeira não tinham estatuto administrativo. No arquipélago dos Açores existiam os distritos autónomos de Ponta Delgada, de Angra do Heroísmo e da Horta e as ilhas do arquipélago da Madeira constituíam o distrito autónomo do Funchal. Uma divisão que vinha desde a reforma liberal de 1836, que substituíra as províncias pelos distritos. O Estado Novo limitou-se a conceder em 1939 o estatuto de autónomos a estes distritos, reconhecendo as competências que gozavam desde 1895.

Açores

Os esforços para criar um sentimento do que Vitorino Nemésio designou por “açorianidade” e traduzi-lo em autonomia política, foram sempre de difícil execução, não só porque as várias ilhas do arquipélago dos Açores têm histórias de povoamento muito distintas, mas porque as tentativas de criação de uma unidade política e administrativa dos Açores esbarraram no receio da hegemonia das elites de São Miguel. O 25 de abril alterou as relações de poder entre os três distritos autónomos, com a irresistível supremacia de Ponta Delgada.

As manifestações populares mais significativas a seguir ao derrube da ditadura ocorreram em São Miguel, com a chegada do corpo do estudante João Arruda, morto pela DGS, a tomada de posse do governador civil, o prestigiado democrata Borges Coutinho, numa cerimónia presidida pelo ministro Costa Brás. Uma manifestação popular arrancou a placa do “Molhe Salazar” e baptizou o aeroporto com o nome de “Humberto Delgado”, uma contestação das populações encerrou a Câmara de Vila Franca por duas semanas. A assembleia geral do Sindicato dos Pescadores obrigou a uma intervenção da polícia no Coliseu Micaelense.

Em outubro surgiu a primeira reacção das tradicionais elites de São Miguel, através do Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano, o MAPA, que já tinham começado a reconstituir as suas redes de poder através da nomeação das comissões administrativas das câmaras municipais e aproveitaram a radicalização do processo político após o 11 de março de 1975 para reconquistar os seus lugares. Com a evolução da situação política no Continente, alguns dos militantes do MAPA criaram a FLA, Frente de Libertação dos Açores, em Londres, a 8 de abril de 1975. As manobras intimidatórias e as acções violentas começaram a partir daí. Como líder da FLA surgiu um antigo deputado da Acção Nacional Popular, José de Almeida, um dos poucos deputados presentes na Assembleia Nacional no dia 25 de Abril de 1974. Regressado a São Miguel, ligou-se ao MAPA e foi incentivado por emigrantes nos Estados Unidos, sobretudo de São Miguel, a defender o separatismo para os Açores, tendo em vista a eventual subordinação aos norte-americanos. O que as autoridades de Washington recusaram discretamente.

A FLA dispunha de um forte apoio dos grandes proprietários de São Miguel, receosos de uma possível nacionalização das suas terras, à semelhança do que sucedia no Continente. A 6 de junho realizou uma manifestação de lavradores em frente ao palácio do governador do distrito, oficialmente para pedir o aumento do preço do leite, a diminuição do custo das rações e dos adubos, mas que tinha a finalidade de exigir a destituição do doutor António Borges Coutinho, um democrata pertencente a uma das mais antigas famílias da ilha, acusado de comunista. Gritaram pela independência e provocaram distúrbios, perante a passividade das autoridades militares e policiais. O governador demitiu-se.

No dia 17 de agosto, a FLA levou a cabo uma das raras acções fora de São Miguel, atacando e destruindo as sedes do PCP, do MDP e do MES em Angra do Heroísmo, com a clara intenção de sobrevalorizar, perante as autoridades, a importância da base americana. No mesmo dia foi atacada a sede do PCP de Ponta Delgada e a FLA expulsou dos Açores dirigentes locais do PCP.

Madeira

A Madeira tinha o mesmo estatuto administrativo dos Açores, constituindo as ilhas do arquipélago o distrito autónomo do Funchal. Os primeiros grupos políticos e autonomistas começaram a surgir a partir de maio de 1974. O Movimento de Autonomia das Ilhas Atlânticas, anterior à revolução, foi dos primeiros. Seguiu-se a Frente Centrista da Madeira, a que pertenceu Alberto João Jardim, que se declarava a favor de uma “Madeira Autónoma e Próspera”. A Frente Centrista associou-se ao Partido Popular Democrático e dissolveu-se nele. Os apoiantes da oposição democrática criaram o Movimento Democrático da Madeira. Alguns padres católicos e simpatizantes do Partido Comunista juntaram-se na Frente Popular e Democrática da Madeira e a União do Povo da Madeira surgiu entre os grupos do Centro de Cultura Operária e do Comércio do Funchal, congregando os militantes de extrema-esquerda. No Verão de 1974 os grandes partidos estavam implantados na Madeira com militantes locais.

Como no resto do país, o Verão de 1975 foi uma época de grande agitação social e partidária na Madeira, marcado por atos violentos. A FLAMA, Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira, uma organização separatista e paramilitar, levou a cabo vários ataques bombistas, que mataram um militar. Pretendiam eliminar opositores, a quem chamavam indiscriminadamente de comunistas, criaram uma moeda própria, o Zarco, uma bandeira e um hino. Tal como nos Açores, com a cumplicidade das autoridades.

A situação política da Madeira durante o período revolucionário foi ainda influenciada pela figura do bispo D. Francisco Santana. O prelado chegou à diocese do Funchal após o 25 de Abril e definiu uma estratégia política de intervenção dos católicos para os fazer lutar contra o que ele considerava ser o comunismo, e contra qualquer poder instalado em Portugal. De entre as organizações partidárias que saíram da revolução escolheu abertamente o PPD para o apoiar nesta luta, e escolheu um dos seus militantes mas destacados, Alberto João Jardim, para redactor principal do Jornal da Madeira, para fazer dele um órgão de combate político e não um jornal paroquial.

As aspirações da FLAMA, consistiram mais numa reação política por parte de algumas das elites locais contra a natureza socializante e radical do golpe militar do 25 de abril, do que num verdadeiro objetivo independentista. Após o 25 de novembro de 1975 e dos novos estatutos autonómicos da Madeira e dos Açores, a FLAMA perdeu muita da sua importância e influência. Ao contrário da FLA os dirigentes da FLAMA nunca surgiram à luz do dia.

Os Estatutos Provisórios das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira foram aprovados na sequência da entrada em vigor da Constituição de 1976, aprovada a 2 de abril de 1976.

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola

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