Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir permaneceram em Portugal de 23 de março a 16 de abril de 1975. Proferiram conferências na Universidade do Porto e em Lisboa. Acompanhados por Pierre Victor, um dirigente maoista e às vezes por Serge July, que seria o seu sucessor na direção do jornal Libération, Sartre teve numerosas conversas com membros do MFA. Proferiu uma conferência no Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional. Almoçou no RALIS, que pouco tempo antes tinha sido o palco do ataque de 11 de março. Fez uma conferência no Porto perante estudantes que o desiludiram pela falta de reacção às perguntas. O jornal Comércio do Porto intitulou a notícia da sua presença em Portugal com uma frase muito significativa “Sartre e Beauvoir, estranhos em busca dum povo que criou uma revolução”.

A revolução portuguesa atraiu a atenção dos intelectuais europeus. A intervenção dos militares e o derrube da mais velha ditadura europeia surpreendera a Europa e os intelectuais procuravam compreender o que se estava a passar neste canto do velho continente habitado por um povo pobre, que saía de uma longa ditadura, que mantivera um império colonial à custa de uma longa guerra em três frentes e cujos militares, inesperadamente, realizam um golpe e propõem construir uma sociedade socialista. A revolução portuguesa atraiu os que tinham estado no Maio de 68, que se tinham desiludido do socialismo real da URSS, e que viam aqui a possibilidade de realização de uma utopia romântica de justiça e igualdade. Sartre, como outros, teve vontade de conhecer mais de perto este acontecimento singular. Para ele e a mulher tratava-se principalmente de uma viagem de informação. Teve contactos com os operários de uma fábrica em autogestão, próximo do Porto. Participou numa reunião de escritores que se interrogavam, de uma forma embaraçada, sobre o papel que doravante teriam de desempenhar.

O processo revolucionário que se desenrolou em Portugal a partir de 25 de Abril de 1974 suscitou a curiosidade da comunidade internacional, passando os meios de comunicação social, que até ao 25 de Abril de 1974 pouco interesse demonstravam por Portugal, a cobrir pormenorizadamente os acontecimentos portugueses.

Muitos estrangeiros vieram a Portugal para conhecer a Revolução, vivê-la e participar nela. Portugal transformou-se no que foi designado por novo Katmandou revolucionário. O auge desta peregrinação decorreu entre o 11 de Março de 1975 e o 25 de novembro do mesmo ano, contando-se entre eles alguns dos intelectuais mais conhecidos e prestigiados. Os franceses foram os mais numerosos e visíveis. Além de Sartre, passaram por Portugal outras figuras marcantes da intelligentsia gaulesa, como Alain Touraine, Jean-François Revel ou Jean Daniel, homens políticos como Pierre Mendès-France, François Mitterrand, Gaston Deferre, Lionel Jospin, Georges Marchais, Alain Krivine, sindicalistas, jornalistas, artistas, estudantes. Mas também vieram intelectuais italianos, alemães, maioritariamente militantes e simpatizantes das várias correntes da esquerda europeia. Da Alemanha vieram Heinrich Böll, prémio Nobel da literatura de 1972 e Hans Magnus Enzensberger, poeta e ensaísta alemão, organizador de antologias e colecções de poesia, responsável pela primeira selecção representativa da obra de Fernando Pessoa na Alemanha. No “Verão Quente”, Enzensberger deslocou-se a Portugal, onde dinamizou vários encontros com escritores e intelectuais portugueses. Mais tarde, em 1987 escreveria sobre a experiência em Portugal um ensaio: “O prazer de ser triste”. O realizador alemão Thomas Harlan filmou o documentário “Torre Bela” e Malte Rauch, Samuel Schirmbeck, com o francês Serge July, realizaram o documentário “Viva Portugal”. De Itália veio Rossanna Rossanda, de Il Manifesto, que se encontrou em Lisboa com o major Melo Antunes e proferiu uma conferência na Fundação Gulbenkian. Dos Estados Unidos veio o realizador de cinema Robert Kramer, que apresentaria em 1977 o filme “Cenas da luta de classes em Portugal”. Gabriel Garcia Marquez, o escritor colombiano que seria prémio Nobel em 1982, também visitou Portugal como repórter.

Pelo seu lado, os intelectuais portugueses intervieram ativamente na revolução através da produção e da crítica das ideias, quer envolvendo-se na luta política direta, como foi o caso, entre outros, de João Martins Pereira, um engenheiro que publicara em 1971 “Pensar Portugal Hoje”, uma obra de grande impacto e que, enquanto secretário de Estado da Indústria, foi responsável pelo programa de nacionalizações após o 11 de março de 1975. Os intelectuais tomaram partido, defenderam opções ideológicas, envolveram-se em polémicas. Revistas como a Seara Nova, viram os seus redactores dividirem-se como apoiantes dos partidos que surgiram à luz do dia, com polémicas acesas entre Mário Sottomayor Cardia, que aderiria ao partido socialista, e Pedro Ramos de Almeida, do partido comunista; entre o jovem socialista António Reis e o jovem comunista Vital Moreira. A revista O Tempo e o Modo, que na primeira série fora dirigida por Alçada Batista e estivera próxima dos movimentos católicos progressistas passou, nos tempos da revolução, a ser dirigida por intelectuais maioritariamente maoistas, entre eles Amadeu-Lopes Sabino, Jorge Almeida Fernandes e Arnaldo de Matos, assumindo o princípio de que tudo é político, desde a economia à cultura. Jovens intelectuais do Porto criaram o jornal Grito do Povo.

Durante o PREC os intelectuais portugueses tiveram a oportunidade de ganhar espaços de debate através da comunicação social que lhes estiveram vedados na ditadura. Trouxeram para o grande público o seu pensamento e as suas visões através dos jornais, das revistas, da rádio e, principalmente, da televisão. Alguns dirigiram jornais e revistas, José Saramago no Diário de Notícias, Augusto Abelaira na Vida Mundial, Artur Portela Filho no Jornal Novo. Pela RTP passaram intelectuais como Arnaldo Saraiva, David Mourão Ferreira, Natália Correia, António José Saraiva, entre tantos outros, uns com programas próprios, outros como comentadores ou entrevistados. Algumas polémicas ficaram na história do pensamento português, como a que Eduardo Lourenço e Eduardo Prado Coelho travaram no Verão de 1975 nas páginas do Jornal Novo sobre a “pureza” do socialismo e do marxismo. Tudo, no verão de 1975 parecia passar por Marx. Por essa altura, até a declaração de princípios do CDS, o partido mais à direita do espectro político, dirigido por Freitas do Amaral, um intelectual conservador, vindo do marcelismo, defendia uma “sociedade sem classes ”, além de uma via original para o socialismo e reivindicava a “sociedade sem classes” para a democracia cristã.

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola

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