As diferenças sociais e de acesso ao trabalho ou à posse da terra agudizaram-se em Portugal a partir da década de 1950, em particular através dos trabalhadores rurais do sul do país. Os latifúndios com mais de 100 hectares representavam apenas 6% do total das propriedades, mas, em contrapartida, cerca de 73% da área desse conjunto. Os grandes proprietários tinham, por seu lado, proteção e apoio legal do Estado Novo. Todavia, o número de pessoas com trabalho permanente e assegurado era reduzido, tal como os que conseguiam aí ter alguma terra própria ou relativa independência económica e laboral (os “seareiros”). Os trabalhadores por conta de outrem representavam a esmagadora maioria. Os salários eram baixos e as condições de vida más, principalmente durante as épocas mortas da agricultura (inverno). A crise do latifúndio nos anos 60 diminuiu a área de cultivo e os apoios à cultura do trigo, decrescendo ainda mais a oferta de trabalho, o que piorou a situação dos trabalhadores rurais e das suas famílias. O 25 de abril de 1974 alterou as relações sociais e fundiárias no sul, criando condições para uma mais justa distribuição da riqueza e da posse da terra.
A primeira legislação sobre alterações na posse e no uso da terra é de 2 de novembro de 1974, com uma lei que estabelecia o arrendamento compulsivo de terras subaproveitadas e definia as condições em que o Instituto da Reforma Agrária (IRA) pode atuar.
A primeira intervenção ao abrigo desta legislação ocorreu a 9 de dezembro de 1974 na herdade do Outeiro, no distrito de Beja.
O processo ganha novo fôlego depois do 11 de março, com a publicação de nova legislação. Antes de mais, com a aprovação, pelo Conselho da Revolução, do decreto-lei nº203-C/75, de 15 de Abril (Medidas Económicas de Emergência), no qual se previa o controlo da produção pelos trabalhadores e um programa progressivo de reforma agrária, determinando-se ainda a nacionalização e expropriação dos latifúndios e grandes explorações agrícolas (propriedades de área superior a 50 ha, tratando-se de terras de regadio, ou de 500 ha, no caso das de sequeiro). Deixando patente uma concepção de Reforma Agrária dirigista, este documento representava também uma tentativa de regulamentar o processo e travar as “ocupações selvagens”, num momento em que, só no distrito de Évora, estavam já ocupadas 132 herdades.
Em finais Julho, a publicação de nova legislação vem clarificar o processo, fixando as normas a que devem obedecer a expropriação dos prédios rústicos (decreto-lei 406-A/75) e a nacionalização das terras beneficiadas pelos aproveitamentos hidroagrícolas (407-A/75). Segundo António Bica, secretário de estado da estruturação agrária do VI Governo Provisório, «esta legislação, pela expectativa que criou de avanços das medidas de Reforma Agrária, fez aumentar o número de acções de ocupação de herdades pelos trabalhadores agrícolas distribuídos pelos sindicatos para trabalhar nelas, sempre que, ou os donos recusavam pagar os salários, ou havia evidência ou suspeita séria de acções lesivas da economia das explorações, como venda injustificada de gados, recusa de execução de trabalhos agrícolas necessários, e semelhantes”.
Entre março e novembro de 1975, mais de um milhão de hectares foram ocupados e constituíram-se cerca de 500 propriedades coletivas dirigidas por trabalhadores rurais. Nasciam as UCP’s, Unidades Coletivas de Produção. Com apoios estatais, de sindicatos e partidos políticos, principalmente do PCP, este movimento de Reforma Agrária avançou apoiando-se basicamente nos trabalhadores rurais eventuais.
Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola