Guiné-Bissau

  • Natália Cardoso – O “meu” 25 de Abril na Guiné-Bissau


    É a 1ª vez que conto em pormenor. Porquê? Porque, hoje...... passados 40 anos senti necessidade de o fazer.

    Com a pergunta que toda a gente faz hoje...... onde estava no dia 25 de abril de 1974???? 

    Aqui está a minha resposta
    Vou contar um pouco das minhas memórias no dia 25 de abril de 1974......... Guiné

    Ia para a escola como fazia quase há 2 anos para mais um dia de aulas......

    A meio do caminho, encontro o meu querido amigo e colega do Colégio NunÁlvares de Tomar, Chauky Maomed Danif, que estava a cumprir serviço militar na base dos paraquedistas em Bissalanca. Sabes Natália, houve uma revolução em Portugal...... os militares de lá ocuparam tudo quanto era governo e militar!!!!

    Ora, eu na altura fiquei um pouco apreensiva pois.....pensei eu... que irá acontecer? Continuo? Volto para casa? Entro..... não entro na escola? Decidi continuar e ao passar os portões apercebi-me que lá dentro nada estava calmo como habitualmente!!!! Entro no corredor e .... lá estão,  talvez  uns 50 militares negros com metralhadoras kalashnikov e de repente vejo-me cercada por alguns deles com as metralhadoras a um palmo da minha cabeça!!!!!!!!!

    Em milésimas de segundos pensei......vou morrer, não volto a ver os meus pais e irmãos!!! Começo a chorar, as pernas tremiam, não tenho hipóteses!!!!!!!!!

    Em poucas horas, após a notícia, os soldados guineenses que eram pelo governo de Lisboa, parte deles viraram-se contra nós. Eles sabiam que nas escolas haviam professoras brancas casadas com militares que cumpriam as ordens do governo de Lisboa. Sendo eu mulher de um militar que tinha muito prestígio nos "desempenhos profissionais" claro que era um dos alvos.

    Isto passou-se tinha eu 20 e poucos anitos. Era uma miúda que não sabia nada de política, não tinha informações de nada, que estava quase sempre sozinha (só tinha a companhia de um macaquito o asterix e um cãozito o caop), não podia conviver com ninguém a não ser com os alunos e colegas da escola. Desde sempre achei horrível o que os nossos militares faziam no mato !!!!!!!  Aquele ambiente não era para mim, não tinha nada a haver com aquilo!!!! Por duas vezes quis vir para Portugal mas..... imploraram-me para não o fazer e... fracassei (penso hoje) e deixei-me ficar... Porquê ??? Porque senti que alguém mais uma vez precisava do meu ombro...... e fiquei!!!!!! Fiz bem?? Fiz mal??? Fiz o que na altura o meu coração me disse.

    Mas retomando os primeiros parágrafos....... muitas perguntas, muitas ameaças e eis que de repente aparece a minha salvação..... um grupo de alunas negras, já vestidas com  as suas capulanas e sem perucas de cabelo liso, dirigem-se para mim, cercam-me, agarram-me, abraçam-me e falam em crioulo (que percebi) para os soldados: não façam mal à nossa professora branca, porque ela é nossa amiga. Percebi que estava a haver desentendimentos entre eles, pois o objetivo dos soldados era levarem-me não sei para onde. Finalmente as minhas alunas agarraram em mim e foram-me levar a casa. Lá me acalmaram e mais uma vez fico sozinha. Se eu me senti mais segura? Um pouco, porque ninguém me podia assegurar que a qualquer momento me pudessem entrar pela casa dentro (uma casa muita velha com baratas enormes).

    Passado pouco tempo alguém me bate à porta (grande susto) era a minha amiga e colega da escola de Bissau, Céu Matos Gomes, mulher do Carlos Matos Gomes, militar do exército que também se encontrava no mato (militar de abril e escritor).

    Ah que alívio!!!! Que bom ter companhia e poder partilhar todos os medos e aflições. E lá estivemos, penso, cerca de 2 dias metidas em casa comendo o pouco que havia na espécie de frigorífico e ouvindo as algazarras e exaltações vindas da rua mas sempre atemorizadas!!!

    Entretanto os maridos regressam do mato, eu e a Céu sentimos que estávamos em segurança.. ou não!!!

    Mais uma vez o meu maior desejo era vir para Portugal o mais rápido possível, mas percebi que naquele momento era impossível.

    Com o passar dos dias a violência nas ruas e as perseguições começaram a aparecer. Mas precisava de arranjar alguns mantimentos, porque entretanto o meu marido, na altura, teve que regressar e ficar no quartel. Mas como é que que eu vou sair, com quem e onde!!! Entretanto lá me chegou um condutor preto, o Mamadu, para me levar a um sítio onde eu pudesse adquirir alguns e poucos víveres. Vinha acompanhado por um soldado branco, o Fernandes, equipado com uma metralhadora!!!! Claro que hoje reconheço que foi um erro ir para a rua mesmo com aquela pseudo segurança!!!

     

    INFORMAÇÃO ADICIONAL

    Autor - Relator: Natália Cardoso; Filipe Guimarães da Silva
    Testemunha - Contador: Natália Cardoso
    Cargo: Professora

    Região: Guiné-Bissau

    Data do início da história: 25 de Abril de 1974
    Data do fim da história: 25 de Abril de 1974


    DIREITOS E DIVULGAÇÃO

    Entidade detentora de direitos: Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
    Tipo de direitos: Todos os direitos reservados

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