O ambiente de tensão que percorria o país desde o verão de 1975 intensifica-se consideravelmente nos primeiros dias de novembro. No dia 2 assinala-se a explosão de engenhos na Madeira, Chaves e Lisboa a que se segue, três dias depois, o rebentamento de petardos em Gaia, Porto, Águeda e no Club Naval dos Açores. A ação desencadeada, a 5 de Novembro, por forças do COPCON, que resultou na prisão de 11 indivíduos suspeitos de pertencerem ao ELP, não faz diminuir a violência que, nesse momento, percorre vários pontos do país. A 6 de Novembro, por exemplo, os confrontos entre agricultores e trabalhadores agrícolas em Santarém saldam-se por dois mortos e vinte e dois feridos. Em Lisboa, o secretário de Estado da Informação, Ferreira da Cunha, é impedido de sair do Palácio Foz por uma manifestação de trabalhadores do Ministério da Comunicação Social.

Esta agitação cotidiana tem como pano de fundo uma verdadeira psicose golpista, com o anúncio, quase diário, de hipotéticos golpes de estado e complots em preparação. A 3 de Novembro, O Século e o Diário de Notícias publicam um comunicado da Comissão de Vigilância Revolucionária das Forças Armadas denunciando a iminência de “manobras militares contrarrevolucionárias”. No dia seguinte, o Jornal Novo e A Luta difundem um comunicado da Frente Militar Unida (FMU) onde se acusa o PCP querer destruir “a solução de esquerda proposta ao país pelo Grupo dos Nove”. O país assiste incrédulo à luta em curso, tendo crescentes dificuldades em discernir qual será o seu desenlace final e o que verdadeiramente está em causa. Neste contexto, é mais fácil percecionar o amplo impacto do frente a frente televisivo entre Mário Soares e Álvaro Cunhal.

Moderado por Joaquim Letria, o debate entre o líder socialista e o secretário-geral do PCP realiza-se na noite de 6 de Novembro, nos estúdios da RTP, no Lumiar. Durante quatro horas, o programa capta todas as atenções, deixando patentes as profundas divergências que os separam e quão distante estava o dia em que encabeçaram, lado a lado, a comemorações do 1º de Maio de 1974.

Na prática, o debate Cunhal-Soares corporiza a contenda que então se trava a outros níveis, envolvendo as diferentes correntes político-partidárias, os militares e a sociedade portuguesa em geral. Em confronto, duas conceções de democracia, dois modelos de sociedade e diferentes propostas de solução para a crise que o país atravessa. Soares coloca o acento tónico na dinâmica eleitoral, a ponto do Avante, órgão oficial do PCP, o acusar de querer “meter o MFA no bolso” e de falar “como se o MFA tivesse sido inventado pelo PS, como se o PS tivesse o monopólio do MFA”. Cunhal, por seu lado, apresenta-se como a incarnação dos ideais e das conquistas da Revolução e do MFA, procurando arrastar atrás de si toda a extrema-esquerda revolucionária.

O comentário do líder comunista “Olhe que não! Olhe que não!”, proferido em resposta à acusação, de Mário Soares, de que o PCP pretendia transformar Portugal numa ditadura, ficou para a história como um dos momentos emblemáticos deste frente a frente televisivo.

Os confrontos de Novembro não serão, no entanto, só verbais. No dia seguinte ao debate Cunhal-Soares, numa arriscada prova de autoridade, Pinheiro de Azevedo ordena a destruição dos emissores da Rádio Renascença. A decisão, que ainda hoje é controversa e ambígua, tem consequências imediatas e inesperadas. Antes de mais, ao proporcionar o pretexto para a radicalização da contestação que se vinha desenvolvendo nas ruas. Depois, pelo descontentamento que gera entre os soldados e sargentos paraquedistas que haviam executado a operação. Tinha-se entrado na contagem decrescente.

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes
Maria Inácia Rezola

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