A queda da ditadura, a 25 de Abril de 1974, e a mudança de regime potenciaram uma explosão de lutas sociais e a emergência de poderes populares que se traduziram na constituição de organizações populares de base e noutras formas de democracia participativa.

Apesar da sua brevidade, a fase revolucionária da transição portuguesa foi particularmente intensa, proporcionando mudanças estratégicas na estrutura socioeconómica portuguesa. Num país até então caracterizado por um baixo nível de participação e conflituosidade social, a explosão social afetou todos os setores. Desenvolveu-se nas ruas, nos bairros, nas fábricas, nos campos, nos escritórios, através de manifestações, greves, ações de saneamento, ocupações, criação de comissões de moradores e de trabalhadores, etc.

As proporções e as consequências deste processo, que o envolvimento popular verificado no próprio dia do golpe de estado deixara antever, são, apesar disso, completamente inesperadas.

Os valores anteriores são progressivamente postos em causa pelo empenhamento de classes sociais até então sem influência no poder político, proletariado urbano e rural, e, de forma específica, a classe operária dos grandes centros industriais, sobretudo da cintura industrial de Lisboa e o proletariado rural do Alentejo, exatamente as áreas onde o PCP exerce maior influência.

Mas, à medida que tal acontece, a média e a pequena burguesias urbanas e largos estratos rurais do Norte do País são impelidos a participar no processo político, em oposição à ação maioritariamente conduzida pelo PCP. Contudo, a heterogeneidade destas camadas sociais dificulta um empenhamento ativo, pelo que vão transferindo a defesa dos seus interesses para os agentes políticos que pareçam usufruir de melhores condições para o fazer. Neste caso é o PS que cada vez mais se apresenta como paladino dos valores e dos interesses da pequena e da média burguesias. Só quando a luta atinge um ponto decisivo, tais camadas sociais se disporão a responder aos apelos do «seu» partido, participando na rua em «grandes manifestações», como resposta às «grandes manifestações» do Partido Comunista.

Na comunicação social, nos sindicatos, nas fábricas, nos campos, nos quartéis e em todos os locais onde se discutem opções de atuação surgem inevitavelmente os argumentos de conteúdo ideológico e político, sobrepondo-se quase sempre a quaisquer outras razões. A sociedade portuguesa entra progressivamente em ebulição.

Neste ambiente, os movimentos populares mobilizam-se em torno de valores e interesses próximos, tendendo a construir poderes autónomos capazes de defender e consolidar situações novas, em que a sua voz seja ouvida ou tomando mesmo a direção da mudança. Estas ações populares tornam-se muitas vezes condutoras do processo revolucionário, obrigando os partidos a ir ao seu encontro ou a influenciar as suas iniciativas.

A crescente amplitude da participação popular na revolução deixou marcas profundas na sociedade, que só muito lentamente foram esmorecendo, mas que, nas suas linhas gerais, se projetaram no futuro como conquistas decisivas da sociedade portuguesa.

 

Aniceto Afonso
Carlos Matos Gomes

Maria Inácia Rezola

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